sexta-feira, dezembro 05, 2008

das luzes.







Tomar tem muitas luzes. O Instituto tem muitas luzes.
As minhas orelhas fervem enquanto olho as luzes, enquanto vejo o reflexo das luzes do lago, enquanto vejo as ondas criadas na superfície do reflexo das luzes do lago.
Não são luzes quaisqueres. São luzes de candeeiros, não candeias, porque as candeias ir-se-iam apagar com a chuva que cai. Acho os holofotes gritantes, com a sua luz que é forte mas não ilumina, incomoda a vista. Impede a Noite de entrar na minha janela, onde gostava que houvesse uma daquelas namoradeiras antigas para poder passar a minha vida lá sentada, a ver as pessoas a passar.
Gosto de estar à janela.
Gosto de ver as pessoas a passar, durante o dia ou mesmo à noite, porque a noite só por si não é desculpa para estar à janela, mas e daí é...
A noite é um refúgio, porque sei que dali a umas horas já não vai ser hoje mas sim amanhã, e amanhã por esta hora já vão faltar poucas horas para o dia a seguir.
O meu quarto é muito pequeno para isto, e assim eu revejo-me nas pessoas que passam lá fora, que vão e vêm, imaginando que a minha vida é a deles, mais agridoce ou menos, mais complicada ou muito mais facilitada.
Uso a janela para extrapolar os limites das possibilidades do meu ser, para me extrapolar como indivíduo,para me extrapolar como solidão.
Porque eu sei que se estivesse na pele deles seria tão sozinha como sou hoje, e não há pontes que culmatem o facto de que sou uma ilhota deserta no meio de um oceano.
Sinto-me como um holofote, hoje. Gritante mas sem nada coerente para dizer...

terça-feira, novembro 18, 2008

Pérolas a porcos

tu tratas da teia como se fosse um berço, como se contivesse algo de extraordinário, para além da aranha. aliás, tu pensas que a aranha é o ser extraordinário.
a aranha embala a teia, e tu és levado com ela, de forma que nem sentes a picada, nem sentes as toxinas a dilacerarem-te, a marcarem-te, a deixarem-te trémulo e vazio e só te apercebes do que te aconteceu, da picada enganadora, quando já és pleno em dor.
[libertação]
continuas a velar o sentimento que foi, que se foi e nunca mais voltará, talvez outra aranha, talvez outro ser extraordinário, mas nunca mais, pensas, a picada, o engano.
fechas-te, então... fechamo-nos. o mundo passa a ser povoado de mágoa, de vazio, de desconfiança, de medo da picada enganadora.
olhas-te ao espelho... surpreendes-te por te teres tornado uma térmita, a tapar todas as fendas, a emparedar a luz e o ar e o mundo do lado de fora.
vês-te, a térmita... a térmita... o restolhar, o mastigar, o depositar, o amassar... tapar... tudo, tapar...
tem que haver mais qualquer coisa....tem que haver mais alguma térmita.

sábado, junho 21, 2008

-"and laugh but smile no more"

os sons das bóias rodeiam-me, ao percorrer um porto subaquático, entre algas e tartarugas que se agitam pacificamente por cima de mim. a falta de oxigénio deixou de ser um problema, ja nem vejo as bolhas de ar que me atormentaram a visão por alguns segundos, o meu corpo a balançar à vibração das ondas, o sol a irradiar em focos entrecortado por escuridão. e ainda o som das bóias, e ainda as tartatugas e as algas na sua calma agitação.
saio da água, mais vapor do que carne, e os meus olhos vítreos contemplam o céu. não posso dizer que não sou nada, porque até o nada é alguma coisa, estou assim para além da existência, entre a não-existência e a ionexistência (que não são a mesma coisa). não pretendo fazer nenhum movimento para me afastar das ondas retumbantes sob o céu plúmbeo, não espero os dias passarem para me dar à cobardia de combater a ausência que me assola sempre que a solidão se vai.
mas pode-se dizer que a inexistência está para além do vácuo? o vácuo é a falta de alguma coisa, a inexistência, está para além da falta, está para além do zero, do nada, pois até o zero tem validade matemática. a inexistência também não é o infinito, tão pouco a unidade. um número a dividir por infinito é nada, ou seja o nada é alguma coisa dividida, o que torna o nada um ínfimo de alguma coisa.
procuro uma definição para mim, que não sou nem nada nem alguma coisa inteira, sou fragmentada, ausente e vapor. tudo isto é aguma coisa, a soma tem que ser alguma coisa, no entanto continuo a sentir, a sentir que não sou nada disto.
prefiro perder-me no meio das algas, nadar com as tartarugas, mas sou puxada das ondas e é-me feita a reanimação. acordo.
o sol a irradiar entrecortado por focos de escuridão da malha plúmbea que é o céu.
os olhos ainda vítreos pelas dores, ainda o som das bóias.
a ignorância daquilo que sou.

quinta-feira, maio 29, 2008

the withering dark

ele nunca desistiu realmente da sua solidão. pode dizer-se que sim, que era solidão porque ele não tinha o hábito de deixar ninguém entrar. mesmo aquelas que sabiam quem era, ele nunca lhes deu o luxo de as amar, de tentar aplacar o medo de derreter o gelo, de ficar mais sozinho do que a sua própria natureza desejava. assim, emparedava toda a gente do lado de fora.
pode-se dizer que fora um treino. pode-se dizer que foi uma escolha, que foi a sua natureza, as pessoas que conheceu, as influências que o tornaram assim.
eu continuo a achar que é um masoquismo e uma falta de vontade de viver.

o vento roça a superfície espessa do lago, espessa do frio, e forma pequenos lençóis ondulados, arrastando consigo carpas e insectos e folhas e o lixo do costume, e o pólen dos acónitos rodeia-a como se fossem dentes-de-leão, pairando indelevelmente sobre a febre dos fenos do observador.
o vazio nos seus olhos, não do observador adormecido, mas da visão, que o transporta centenas de quilómetros para longe de si próprio, para além dos anos, para além da saudade e da vontade de fugir, de se esconder e do medo de a querer abraçar, fê-lo encolher-se. sentou-se no banco.

não consegue tirar da cabeça aquele momento, ja cheio de bolor na sua cabeça. lembrou-se assim, de repente. de repente pensou que seria saudável desentupir as fossas das memórias e pronto.

as gaivotas chamam de longe. olhos que se transtornam, corvos que grasnam. receitas intermináveis de medos e de dores que ja são crónicas, que transcendem a dor, o amor e o ódio. as saudades.

as gaivotas chamam de longe, do mar. do mar cinzento da espera do transtorno de olhares, de medos de vazios e de saudades de tempestades. porque a incapacidade de amar não suplanta a incapacidade de se ser feliz.
e os sonhos tomam de fogo o coração, o que me leva a pensar.

as coisas continuam na mesma desde que o ano mudou. esta falta de coerência, daquela presença mutilante deixa-o um bocado à nora, guiava-se por aquele desprezo que o espicaçava e que o fazia querer mais. um dia cãozinho da palha, para sempre cãozinho da palha, mesmo que não o seja por olhos vazios e coração a arder. e a coragem falta-lhe quando sobejam as saudades. e quando as saudades sobejam, há sempre o masoquismo e os tijolos para fazer paredes.

e estranhamente dá por si absorto a rezar para que o sonho volte e o tome outra vez...

sexta-feira, abril 04, 2008

freak without a leash

a minha pele, escamosa e escorregadia é de mulher e eu não entendo como é que consegui crescer no meio de humanos sem ninguém me descobrir a máscara. talvez porque a insanidade foi sempre o meu forte e as pessoas consideram isso um atributo correspondente a pessoas diferentes ---> mal sabem elas, coitadas.
as minhas mãos são de gente, a minha cara é de gente, mas eu não me sinto gente, nem eu, nem as outras que se mexem dentro de mim.
estranhamente, para todos sou gente.
é engraçado como por vezes não interessa de todo o que somos e como nos sentimos, e o que conta é apenas aquilo que os outros depreendem que nós somos. subitamente nada mais importa.
para mim, toda a gente bate um bocado mal. porque passam todos ou com o rei na barriga, ou a fugir dele, tendo toda a gente um bocado destas duas facetas extraordinariamente animais.
atenção ao advérbio: extra-ordinariamente. isto quer dizer que já não bastava ser uma coisa banal, é uma coisa banal, mais um suplemento adicional.
(a minha lógica tem andado a bombar, ultimamente).
a verdade, é que eu já não sei onde começa a pele de mulher e acaba a de Górgon, e as minhas serpentes perdem-se no meio dos meus cabelos, meio por protecção, meio pela sombra aconchegante do moreno.
eu tento vaguear e procurar-me, as minhas origens, o meu destino, fado, mas de nada vale, a vida tem sempre maneiras extra-ordinariamente intrincadas de meter tudo de patas para o ar.
só me vale uma certeza... apesar de tudo, apesar de todos os nomes que me chamem e todas as insinuações que utilizem, eu não sou canibal.
eu petrifico.
por isso, vou respirar por mais um dia com pulmões de mulher, na esperança de que o herói do conto chegue para aniquilar o monstro e ponha fim ao sofrimento deste animal que só se sabe defender.

alas, i'm still alive, and i know how to write.