quinta-feira, maio 29, 2008

the withering dark

ele nunca desistiu realmente da sua solidão. pode dizer-se que sim, que era solidão porque ele não tinha o hábito de deixar ninguém entrar. mesmo aquelas que sabiam quem era, ele nunca lhes deu o luxo de as amar, de tentar aplacar o medo de derreter o gelo, de ficar mais sozinho do que a sua própria natureza desejava. assim, emparedava toda a gente do lado de fora.
pode-se dizer que fora um treino. pode-se dizer que foi uma escolha, que foi a sua natureza, as pessoas que conheceu, as influências que o tornaram assim.
eu continuo a achar que é um masoquismo e uma falta de vontade de viver.

o vento roça a superfície espessa do lago, espessa do frio, e forma pequenos lençóis ondulados, arrastando consigo carpas e insectos e folhas e o lixo do costume, e o pólen dos acónitos rodeia-a como se fossem dentes-de-leão, pairando indelevelmente sobre a febre dos fenos do observador.
o vazio nos seus olhos, não do observador adormecido, mas da visão, que o transporta centenas de quilómetros para longe de si próprio, para além dos anos, para além da saudade e da vontade de fugir, de se esconder e do medo de a querer abraçar, fê-lo encolher-se. sentou-se no banco.

não consegue tirar da cabeça aquele momento, ja cheio de bolor na sua cabeça. lembrou-se assim, de repente. de repente pensou que seria saudável desentupir as fossas das memórias e pronto.

as gaivotas chamam de longe. olhos que se transtornam, corvos que grasnam. receitas intermináveis de medos e de dores que ja são crónicas, que transcendem a dor, o amor e o ódio. as saudades.

as gaivotas chamam de longe, do mar. do mar cinzento da espera do transtorno de olhares, de medos de vazios e de saudades de tempestades. porque a incapacidade de amar não suplanta a incapacidade de se ser feliz.
e os sonhos tomam de fogo o coração, o que me leva a pensar.

as coisas continuam na mesma desde que o ano mudou. esta falta de coerência, daquela presença mutilante deixa-o um bocado à nora, guiava-se por aquele desprezo que o espicaçava e que o fazia querer mais. um dia cãozinho da palha, para sempre cãozinho da palha, mesmo que não o seja por olhos vazios e coração a arder. e a coragem falta-lhe quando sobejam as saudades. e quando as saudades sobejam, há sempre o masoquismo e os tijolos para fazer paredes.

e estranhamente dá por si absorto a rezar para que o sonho volte e o tome outra vez...