quinta-feira, janeiro 22, 2009

Estou no meu quarto. a chuva cai miudinha e irritante e aliviante do lado de fora da janela. quase ninguém se atreve a enfrentá-la, mesmo sendo ela miudinha, porque ela é persistente.
Gosto de ver tomar assim. é mais fácil de suportar. dá uma sensação de vazio, como se os animais tivessem voltado para as suas tocas, para o seco, e tivessem deixado a chuva (agora mais forte) lavar tudo, levar tudo numa torrente para longe da minha janela. como dizem os antigos, longe da vista, longe do coração.
como eu gostava de poder seguir nessa corrente, de me soltar e vaguear pelas valetas de tomar, e das valetas até ao rio e do rio até ao mar e do mar até ao nada ou ao tudo ou ao seja o que for.
Sinto-me a desaparecer, folículo por folículo, cabelo por cabelo. a invisibilidade é tão latente que quem espreitar pela porta só vai ver o pacote de bolachas em cima da cama, no meio das folhas da minha sebenta de cerâmica e as manchas de sal no teclado.
Eu sei que não faz muito sentido continuar num poço assim. mas ainda não descobri o sentido, perdi a centelha do que é importante. a luzinha que me mostrava o caminho foi-se. com ela a vontade. e sem sentido e sem vontade não vale a pena fazer seja o que for.


Vou nadando contra a corrente em espiral. na esperança de conseguir encontrar uma raiz mais segura que as que encontrei até agora. talvez consiga encontrar um banco de areia onde a corrente não seja tão forte, onde a água não seja tão profunda, onde as ondas não me tentem afogar, em vagas de asfixia, uma de cada vez. ao olhar em volta apercebo-me de contornos vagamente familiares.
Talvez conheça este poço. talvez já cá tenha estado antes...

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