sexta-feira, janeiro 27, 2006

O eremita




O jorro de palavras fê-lo gemer de agonia. Era estranho. Ali, agachado entre os seus vícios, na sua “toca”, era de esperar que não fosse tocado pelo exterior. Era um eremita na sua própria existência, na sua própria alma. Era a sua natureza e nunca se queixara.
Mas, como às vezes acontece, chega alguém que vira tudo de patas para o ar. E, oh, como ela virou. O seu mundo ficou o caos na verdadeira acepção da palavra. As estantes estavam cobertas de pó -nunca mais lhes tocara; as cartas arrumadas num canto, as teias de aranha alastrando-se por entre as suas lembranças, besouros nos seus pensamentos. Bichos da madeira a roerem-lhe os cabelos.
Era estranho. A sua voz, de timbre pouco usual, preenchera-lhe as manhãs de outrora e dava por si a reviver conversas que remontavam à ancestralidade do relacionamento… passava o tempo deleitando-se com os farrapos das imagens que dela havia capturado, olhares, sorrisos, lágrimas de sal e de sangue, num consumismo que o exauria.
O seu eremitismo nunca havia sido calculado. De facto, nunca se havia considerado um eremita. Poucas vezes conhecera alguém que gostasse tanto de variar de companhia, de se relacionar, do cheiro a caça de novos rostos, de novas histórias como ele mesmo. Eremita como?
Nos sentimentos. Fechou-se ao mundo, e, não se deixando tocar por ele, detinha uma sensação de poder relativamente aos seus sentimentos irregular. Poucas pessoas o tinham feito sentir-se assim. Era previsível, e, contudo, imprevisível. Bolas, como detesta contradições ambulantes! Mas e daí… há algo de fascinante nesta contradição.
Disse-lhe que Não mas os sinais revelam um Sim decidido.
Esta firmeza inesperada está-lhe a dar um nó cego nas sinapses.

Agora compreende o porquê das pessoas dizerem que as mulheres deviam vir com um livro de instruções. Porquê tanto subterfúgio, quando já o tem na mão, quando é só chegar lá, dar-lhe um beijo e acabar com os joguinhos logo de uma vez?

O seu olhar alongou-se pelas mesas pejadas de pessoas, pelo alcatrão, pela massa disforme de caras, mãos, pernas, mochilas, casacos e sei lá mais o quê, pela relva, pelos riscos de tinta branca do chão, pelos sapatos, pelas árvores, pelas asas, pelas nuvens, pelo céu… pelas folhas que levitavam levadas pelo vento sobre a sua cabeça, pelo cabelo dela, pelas suas mãos… pelos seus olhos. Estreitou-se no seu sorriso, na sua pele, na sua forma. Na sua alma. Racionalizou, analisou… e deu graças por ela estar ali.




Nota: Era suposto ser um segredo, mas é tão óbvio para nós mulheres que chega a ser motivo de gargalhada.
Os subterfúgios são apenas um teste…no qual geralmente os homens falham redondamente. Queremos pessoas perspicazes que entendam os nossos intrincados mecanismos mentais, não funcionamos simplesmente à base do “toma lá, dá cá”.É demasiado pequeno para nós. E, convenhamos, se não fôssemos assim, que piada teríamos? As mulheres não seguem um padrão pré-definido, criam-no. Assim como, em raras excepções, podemos ver isso nos homens. E é isso meus amigos, que os torna tão atractivos.
A rara virtude de ver para além das aparências.

1 comentário:

Miguel de Terceleiros disse...

Mas de vez em quando um sinal não faz mal a ninguém.
O que é certo é que se o senhor souber interpretar os sinais correctamente vai correr muito bem, é sinal de inteligência.
Quanto mais inteligente a mulher mais inteligente tem que ser o homem para poder desodificar a puta da mente retorcida que vos assiste!