domingo, novembro 06, 2005

Dia 4 (Ele)

"M.Rochester"-Paula Rego (2002)

Ri-se das piadas dos amigos, atira o cigarro para o chão e pisa-o. Era desnecessário este acto, uma vez que o chão está molhado e a bia apagou-se quase de imediato, mas o gesto é agora maquinal.
Pragueja mentalmente. Agora perde o controlo sobre o próprio corpo! Não basta ter perdido o controlo da situação…
Olha em volta. Localiza-lhe a silhueta, ao fundo por entre o emaranhado de corpos que enchem o “recreio”. Ri-se entre as amigas, faz questão de se virar de costas para ele, demonstrar-lhe a sua firmeza de convicções e o seu desprezo.
Constata que teve tanto tacto e suavidade como um elefante da “tutu” a dançar ballet numa casa de espelhos.
Enganou-se relativamente a ela, no fundo. Esperava que ainda o desejasse, que se entregasse à sua argumentação de forma dócil e deliberada… não contava com os espinhos de racionalidade que lhe rodeiam a vontade…está a perder qualidades como estratega. Pra próxima tem que ir mais devagar…
Apercebe-se de repente que não haverá próxima. Ela fez questão de o eliminar radicalmente da sua vida, até lhe desejou felicidades!
Não queria que as coisas tomassem aquele rumo. Não queria que ela lhe dissesse aquele “NÃO” peremptório, não queria que ela o expulsasse da sua vida… não a queria perder. Custa a admitir, mas faz-lhe falta a segurança da ideia de a ter sempre por perto. Do tempo em que ela estava lá, em que ele sabia que ela o apoiava, que se arrastava pelas migalhas da sua atenção. Tem saudades de a ter…
Ouve-se a campainha.
Procura-a de novo, vê-a a olhar de relance, a abanar a cabeça com um olhar implacável, mas dorido, no fundo. Diz algo às amigas e cinco cabeças voltam-se…
Disfarçou a tempo.

“Boa sorte”, murmura ao lembrar-se da noite anterior.

“Boa sorte”.

1 comentário:

Miguel de Terceleiros disse...

Boa sorte... Hummm onde é que eu já disse (ouvi) isto?!
Somos todos as duas faces do espelho, uma svezes por cima outras por baixo mas sempre de queixo levantado.